sábado

Sobre encostos

Quando eu tinha 18 anos
eu pegava os cigarros da macumba sem medo
eu roubava o cigarro da oferenda
e oferecia o meu corpo em troca
do cigarro,
como oferenda.

E o meu corpo dançava e bailava,
de uma certa perspectiva,
nessa qualidade de um corpo morto,
livre de espírito,
para que o outro baile e faça
do meu corpo o que quiser.

Meu corpo foi parar na Cruz Vermelha.
No Estácio.
Em Osvaldo Cruz.
Acordava em motéis de quinta categoria,
em companhia de putas velhas,
travestis
e aposentados degenerados.

Eu olhava para aquilo tudo com minha visão periférica
e até achava graça.
Aquilo tudo,
bem interessante,
ainda assim era periférico,
pois o que importava era o cigarro.

Então eu posso hoje concluir que a troca era justa.
Assim que se abole a vergonha,
não há o que temer da parte do enconsto.
Aquilo que se mostra bruto,
ao primeiro encontro,
é bem comum, num universo de modo exagerado paralelo.

E na verdade não fiz nada mais
do que seguir um rito.
As guias todas sempre estiveram lá,
em todo momento.
O sangue acumulou os acontecimentos.
E a experiência do corpo hoje é como se fosse minha.
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Devo dizer que desconheço totalmente os deuses.
Não sei o nome de quem calçou meu corpo.
Seguimos bem, na qualidade de pares ausentes.
E cada um depois fez os cálculos do que sobrou dos acontecimentos.

Alguém fechou meu corpo, assim fui evitando acidentes.
Por outro lado sempre estive aberto
aos visitantes.
E mesmo que haja um preço a pagar em termos de saúde,
As coisas que se acumulam, memórias excedentes,
imagens, sons e cheiros perturbadores,
fazem tudo valer a pena,
fazer sentido.

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É muito raro alguém sair em sã consciência
se encontrar chupando o cú de uma entidade amorfa.
O desespero de corpos atirando sacanagens
é desespero pleno, em seu desprendimento.

Quando o corpo abandona os modos,
todos papéis imaginados de comportamento estável,
a boca suja vem a ser cada vez mais imunda
a proferir aquilo que não se pronuncia.

Quando o mundo se resume aos caralhos,
cús, gargantas, bocas e bocetas,
os gritos todos são de dor e desespero
e o que o simples movimento de roçar os membros não consegue
revela-se possível com a fala.

A fala bruta no ouvido lambuzado,
e da saliva lubrifica o orifício,
dos dedos podres se metendo onde não devem
num dia a dia,
mas na cama suja pode.

O bafo e a língua bem no alvo,
onde o podre se desfaz em grande encanto,
o gosto pútrido do corpo em desencanto
anunciando o prazer em porra e merda.

E quando essa coisa toda desembesta
o som e o cheiro são de tão grande presença
que o toque todo suave desvanece
e só funciona o toque e o ritmo da porrada.

Bunda vermelha de espanque.
Boca rachada de pau e vômito.
Mãos rochas de torções e beliscos.
Olhos borrados de um rímel que se desfez.

E quem é quem nos olhos de um travesti então eu me pergunto?
Você herói
Ou você cliente engravatado
Mesmo que de chinelos?

Porque o que sempre sobra no fim:
é você quem deu
ou ela que esqueceu onde está

o seu cigarro (ou dinheiro).

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