Àquela que é
I.
Veja os três pássaros naquela arvore.
São precursores da morte.
O passado, o presente, o futuro.
Eles cantam para os três lados.
Eles olham para mim.
Veja os três pássaros naquela árvore.
Eles olham para mim.
Posso ouvir seus olhos.
Eles estão lá.
Eu sou um homem morto.
Eles cantam. Eles me chamam para entrar naquela floresta.
Sob aquelas arvores.
E eu não quero entrar.
Estou olhando para as estrelas.
Estou ouvindo ela,
também. Lá fora.
I was out for the stars.
II.
Ela esta lá. E para levá-la – não posso olhar para trás.
Eles sussurram.
Eles chamam-me de nomes obscenos.
Mas eu – sempre fui o desenho do obsceno. E os arquipélagos de palavras ofensivas estão lá – dentro – de mim.
Estão presos – na ditadura do estilo.
Estou preso – na ditadura no estilo.
Estou longe,
muitos séculos atrás.
E a marca da modernidade não consegue me alcançar.
Estou longe,
e eles me pegaram finalmente.
Sou um funcionário.
Sou um executivo (quem executa).
III.
Gostaria de romper o cerco e parar de machucar os meus amigos.
E eles não sabem disso –
mas ainda me amam.
Me amam – mas estão presos à isso.
(ISSO.
Ou
AQUILO.)
Disso ou
daquilo
e por aí vai.
Como me disse ela;
A branca
de olhos pretos
e de figura renascentista
que eu quero
como um corpo
e boca
e mente
e imagem
principalmente imagem
principalmente imagem como dedos
e coisas que apalpam
e massageiam
e massageiam
e machucam
IV.
Os três pássaros continuam lá.
Eles me chamam.
Compreendo aos poucos a banalidade fatal da situação.
Quero virar as costas, mas não posso.
ISSO
Impele-me a continuar.
Estou fora DISSO.
Mas sou ISSO.
V.
A casa está destruída.
De propósito.
Amanhã será a torre
De Babel.
De dois andares.
De dois andares.
Eles partiram.
O objetivo é manter-me são.
Gostaria de dizer coisas ruins.
Com conotações sexuais.
Mas sou escravo do estilo.
Mas sou escravo do estilo.
Somos escravos do estilo.
E (quando ele) (se ele) diz que não –
minhas pernas tremem.
E tento manter a aparência.
Tento manter-me são.
VI.
E ele veio.
Uma presença palpável – embora invisível.
Foi tornando-se ALGO
Durante três dias.
Três dias de torpor.
Primeiro uma sombra.
Depois na neblina.
Depois um fato.
Uma figura humana.
Envolta em negro.
Assassino.
Quando se foi
– os dias deixaram de ser tempo.
Eu deixei de ser.
E os meus amigos tremeram.
VII.
Eles achavam que eu posso suportar.
Eles eram escravos do estilo.
Do meu estilo.
Apesar do deles.
Ser forte também.
Por isso.
E por outras razões.
Que eu não posso descrever.
VIII.
Eu voltei para meu apartamento.
Mas quando abri a porta
- vi que o meu tempo era diferente do tempo daquele espaço.
Se eu cruzasse a porta, seria como entrar naquela floresta.
O corpo não aguenta, quando o tempo discorda.
E o morto não pode simplesmente invadir a vida.
Foi quando percebi que o aposento era vivo.
IX.
Há dois tipos de morte.
Uma morte da tortura.
Petrificar no tempo.
Um não ser que é.
E uma morte da transgressão.
Que não é perfeitamente.
E por incrível que pareça,
o se fazer presente após a morte é a dor.
Por outro lado
– quem me garante que os espíritos sabem tudo?
Há algum tempo sinto a presença.
Mas os meus símbolos e significantes são outros.
E eu os chamo de mim.
E de eles.
Mas em mim.
Pois em toda conversa o eu sou aquilo que o outro vê.
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Gostaria de ser os meus amigos para saber como sou.
Sinto me pessimamente bem.
Sem esta situação -
não teria condições de me confessar assim.
E,
Por falar em confissão,
Sou culpado?
Sinto me culpado?
O que me vem a memória – é a culpa por não aproveitar de modo completo as minhas possibilidades.
Por outro lado
- só comecei a sentir isso com mais força,
- quando comecei a usar as minhas possibilidades de modo mais completo,
Talvez algo em mim não concorde com a minha partida para o esquecimento. Com o meu perdão – que concedi a mim. Pois...
Já toquei os inocentes.
X.
Não causei danos físicos. Mais já toquei.
Só eles poderiam dizer
se isso causou danos em suas vidas.
Isso eu não perdoei. Apesar de ter chegado perto disso.
Sei que apareci nos seus sonhos.
E que isso me tortura mais que o sensível.
...
E eu era uma criança velha demais.
...
Há um culpado. Que eu perdoei.
...
Mas não totalmente. Pois creio ser por culpa dele o meu pecado.
...
Por outro lado, ele simplesmente poderia ter visto o pecado em mim antes deste se revelar – e ter usado isso para me tocar. Ou seja – mesmo ele sendo asqueroso – não me isentaria da culpa.
Isso não faz muito meu estilo.
Esse texto. E isso tudo.
No entanto, nos últimos anos fiz tantas coisas que julgava não serem o meu estilo.
A começar pelo casamento, filha, trabalho de terno e gravata, pensamentos capitalistas.
Outro dia pedi poder. Pedi ao mundo. Ou à alguma personificação dele.
Pedi algo que já tenho. Pois desejei acelerar o meu processo.
Isso pode ser feito – de vez enquanto. Mas melhor é ter paciência.
Pedi, e compreendi isso.
Pedi, inconscientemente, por paciência, e para ter consciência de um dos meus desejos.
Eu sinto bem aquela configuração de energias.
Tem de se tomar cuidado.
Todos pretendem fazer bem com ela. Mas ela sempre é mais forte.
Essa força.
Não quero receber ISSO de repente. Nas condições de sofrimento e desequilíbrio.
A ordem – interna – pautada pela externa – tem de ser organizada.
Uma ordem que agregue o máximo de interessados.
Será que isso é necessidade pura de amor?
Sempre soube que não nasci para liderar.
E foi uma revelação, quando eu de repente QUIS.
Não de repente.
Mas como se toda a resistência pessoal a isso fosse o motor disso.
É um querer contraditório – que na verdade é mais saber, do que querer.
Eu sinto a coisa dentro de mim.
Eu sinto que o meu silêncio – que antes afastava – agora aproxima as pessoas.
Como se conseguisse falar pelos olhos.
É uma sinceridade total. Ou uma mentira total.
Eu comecei a ter ilusões de que as pessoas me entendem.
Quando renuncio a palavra – tudo que digo é compreendido com mais atenção.
E não é só isso.
Ao silenciar – não sou mais tão agressivo.
As pessoas, desse modo, me compreendem do jeito que elas acham mais conveniente.
Essa conveniência é complementada por algumas poucas palavras que compartilho sobre coisas – trabalhos concretos. Ou seja – as pessoas estão acostumadas a tratar de coisas concretas comigo e o meu silêncio, e a compreensão individual de cada um sobre mim, apesar de eu não dizer nada, se torna algo concreto também. Por consequência.
Eu corroboro com isso – pois realmente acredito que cada um vê um mundo a sua maneira e que não há diálogo entre as pessoas, somente a ilusão de um diálogo.
Por outro lado me sinto culpado. Culpado perante aqueles que acham que o mundo é uno. Para essas pessoas o meu comportamento, se revelada a minha percepção dele, é algo condenável e indigno.
Sinto-me culpado, pois entendo e até gostaria de partilhar o seu ponto de vista de um mundo uno, mas não consigo, talvez devido ao meu temperamento e à descendência eslava – que é bastante influente e, creio, deve ser a fonte do meu caráter fleumático.
Você – que está lendo isso – gostaria que soubesse como preciso de você. Escrevo coisas que não se dizem. Ou que eu, pessoalmente ao menos, não tenho condições de dizer.
Mesmo não te conhecendo ainda (pois nunca nos conhecemos, apesar das palavras e do físico), tenho vergonha e, ao mesmo tempo, gostaria de uma réplica que fosse. Se possível mágica. Me diga, algum dia, a palavra – provavelmente presente nesse texto, mas de mim oculta, que me faça unir os meus garotos, garotos que residem dentro de mim. Boys can swing...ou algo assim..
Sei que um deles é quase iluminado. Às vezes ele permanece por tempos longos. Nesses momentos eu sei o que gostaria de ser. Esse garoto quase iluminado. É quando sinto ter chegado ao ponto. Que consegui, mesmo não fugindo para a minha solidão, mesmo não tendo me tornado um Zaratustra, ser além do homem. Ser além de mim, daquele garoto. Algo maior até do que a minha experiência com cogumelos, quando vi o mundo desvelado pela primeira vez. Uma conclusão não lógica. Nada de misticismo também. As coisas não fizeram mais sentido. Simplesmente eu soube que sou – além do meu eu – e que gosto de ser. Para além de qualquer fato.
Quando me recordo disso, entendo que isso foi o que me levou, de certo modo, à condição atual. A certeza do simples gozo de ser deveria, na minha concepção, ter me prevenido do sofrimento.
Mas isso é falso. Na verdade eu interpretei mal. Aquele garoto deve estar rindo de mim agora. Estar sorrindo. Ele previu isso também. Previu tudo.
Provavelmente isso – e muitas outras coisas – levam à iluminação. Ao gozo. Ao saber que simplesmente é ser isso. E, às vezes, até não saber que se é.
Que redundante.
De qualquer maneira, quando aquele garoto está no comando, sei que quero permanecer nesse estado. Mas ele não dura tanto assim. Apesar de marcar a memória e os sentidos.
Também espero que saiba a dificuldade que é para mim deixar você ler isso.
Eu desejo que você leia, mas a resistência interna é muito grande.
O meu orgulho range os dentes ao saber que alguém verá o meu dramatismo, o meu sentimentalismo, a minha fraqueza. Pois estou fraco, se resolvi recorrer a você para demonstrar a minha perturbação.
Sempre resolvi isso sozinho. Com os meus garotos.
Tem um garoto que é triste pra caramba. Que tem medo de sair de casa. Que treme quando anda pelas ruas.
Sei que têm mais facetas, essas manifestações jovens de mim. Porém esses dois garotos (o iluminado e o medroso) – sinto que são dois extremos. Gostaria de saber se isso é normal. Imagino que seja, por contar somente com minha experiência própria e com a dos poucos amigos, que se revelam aos poucos.
Talvez seja somente uma grafomania, misturada a uma tendência de dependência química.
Minha mãe era dependente química. Heroína. Morreu aos quarenta e poucos de hepatite.
Tenho uns cinco irmãos. Não sei exatamente quantos. Mas uns cinco, no mínimo. Estão do outro lado do mundo. Meu pai, de um modo brutal, me salvou daquele terror, daquela mulher drogada e profundamente religiosa.
Só vi ela, na idade consciente, uma vez. Aos vinte e três anos. Ela já estava morrendo. Me apresentou meus irmãos. Ela me abraçou aquele dia todo. Ela chorava. Ela queria que eu ficasse. Era uma casa pobre. Ela tinha um namorado, pai de alguns, não de todos, meus irmãos. Ele era quase da minha idade. Eu sei que senti algum desejo sexual por ela, quando ela me acariciava a cabeça e as costas. Eu abraçava ela e me sentia confortado e muito mal ao mesmo tempo. Eu estava de ressaca tremenda. Não consegui dormir a noite anterior e fiquei bebendo muito com aquela que seria a minha esposa em alguns anos.
A minha mãe dizia que eu tinha de acreditar em deus. Eu sou ateu, dizia eu. Acho que ela ficou triste. Eu, certamente, poderia ter dito algo mais agradável. Podia ter dito que sou budista, ao menos. Sei que ela aceitaria. Mas eu nunca entendi como alguém tem esperança de fazer um outro acreditar. Isso é muito pessoal. A crença. Tem de sentir. Ainda mais em uma religião como o cristianismo ortodoxo, onde o deus é uma revelação e não uma conclusão lógica. Na verdade, não sei por que, ou sei lá, muitos tentaram me fazer acreditar. Isso irrita. Eu me irritei novamente. A sabedoria estava mais longe de mim, do que agora. Será que conseguirei chegar à sabedoria?
Nunca mais vi a minha mãe. Falei uma única vez por telefone com ela. Arranjei uma desculpa para não encontrá-la. E, depois de uns dois anos sem contato, recebi a notícia de sua morte. Aí está mais uma culpa. Essa é bem profunda. As culpas acima são mais pungentes, são como que obstáculos que posso ultrapassar. Mas a culpa perante minha mãe é mais profunda. Eu não soube perdoar e aceitar ela. Ela que, muito provável, realmente precisava de mim. Que sentia uma culpa por ter me abandonado, que, provavelmente, era maior do que aquela que sinto agora. Agora sei que neguei à ela a paz. Não importa se ela foi em paz mesmo assim (se é que foi assim). Ela não era uma mãe em todos os sentidos. Ela entrou na minha vida de forma violenta, como um evento traumático, por duas vezes. Aos onze, quando descobri que a minha madrasta não era minha mãe biológica. E aos vinte e três – quando a encontrei. E eu não consegui transcender isso. Até hoje sinto raiva e culpa – tudo misturado, Sobre isso. E aquilo.
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Venho escrevendo essa coisa toda há um tempo.
Não foi para você o tempo todo.
Foi para alguém. Foi para o fora.
Mas se alguém perguntasse para quem escrevo, numa média, acabaria dizendo que era para você. Descobri isso há algum tempo.
Mantemos, há anos, uma relação parasexual.
Embora pense muitas vezes no seu corpo, a gravidade de coisas que delego ao nosso intercâmbio, torna o sensível algo complicado.
Imagino que não seja um sentimento unilateral. Imagino. Difícil de definir.
Escrevi tudo isso sob efeito de drogas. Espero que não se incomode com isso. Sou eu, e sou um outro, ao mesmo tempo.
É triste não poder te encontrar nesse estado. Eu sei que te assustaria. É como se eu colocasse as tripas na mesa entre nos. Porém, sei que já me viu em situações semelhantes. O projeto ortodoxia foi isso. Eu morando na sua casa, diversas vezes, fui isso.
Acho que estou me devendo a você nos últimos anos. Você foi a minha mecenas abstrata durante muito tempo. E sempre que eu escrevo algo, sinto que devo manter um padrão compatível com a expectativa (acho que você sempre presou o esforço, a intensidade e a verdade mais do que o estilo) das suas exigências formais.
Saiba que a revisão de tudo acima e abaixo foi mínima. Tentei fazer algo puro. E a pureza pode ser um pouco pegajosa, às vezes.
Até agora tenho sérias dúvidas quanto à necessidade de te enviar isso. Sei que devo despachar o texto, no entanto. Ele está dentro de mim há tanto tempo, que começa a apodrecer. Como já disse, sou ateu. Mas acho que posso compreender o ritual da confissão como uma necessidade. Deve ser algo bem mais antigo do que as religiões. Estou cumprindo esse ritual agora e espero que sinta isso para além da personalidade. Do pessoal. Embora isso tudo seja pessoal. Profundamente pessoal.
Acho que estou tentando estabelecer um laço, impossível de ser formado de outra forma. E, apesar de existir uma certa imposição nesse movimento, há uma total entrega, da qual eu não me imaginava capaz há algumas horas.
Gostaria que isso complementasse as nossas conversas, muitas vezes silenciosas, pois sempre quis te dar tudo, e nunca encontrei meios de fazer isso, até porque não há o que justifique essa necessidade que é sem motivo mesmo. Sem motivo plausível. É algo que simplesmente é – sem motivos e sem condições. Algo que o meu corpo e rosto é incapaz de fazer. Mas é.
Beijo.